Abuso e violência psicológica.
- Nina
- 22 de jul. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 7 de jul.
Cartilha da Violência – Parte 1: Abuso Psicológico
Nessas últimas semanas do isolamento social causado pela COVID-19, um assunto tem rondado muito as conversas da minha família — e até algumas discussões com amigos: as situações de violência e abusos cometidos contra a mulher. Durante esse período, houve um aumento de mais de 50% nas denúncias de violência feitas na chamada “quarentena”, porém ouso dizer que esse número não reflete nem a ponta do iceberg. Situações de violência e abusos domésticos ocorrem em quase todas as casas, diariamente, e muitas vezes são tratados como algo corriqueiro. Todas nós conhecemos alguma mulher que passa por isso, e parece que ninguém mais se importa...
Reforçando os debates sobre o tema, algumas pessoas da mídia acabaram expondo publicamente situações vividas por elas, o que gerou reações diversas. Algumas pessoas viram de forma negativa, achando a exposição “desnecessária”, enquanto outras correram em apoio a essas mulheres, se identificando e reconhecendo a importância de abordar esses temas. E eu tô como? Aplaudindo com uma mão só quem pôs a cara pra bater — porque com a outra tô digitando esse texto. Tem que falar sim! Tem que gritar, se for necessário, até todo mundo entender mais sobre o assunto. E, pasmem: resolvi falar também. Mas vocês não sabem o quanto dói!
Dói abordar esse tipo de tema, principalmente porque eu fui vítima de abuso e violência psicológica em relacionamentos antigos e, por muito tempo, não identificava que era abuso. Sempre tentei fugir de agressores, achava que a violência física era o que de pior poderia acontecer em uma relação hétero. Terrível engano. Hoje, consigo identificar as demais violências — psicológicas, emocionais, financeiras, sexuais — como tão nocivas quanto as físicas. Os danos de todas são permanentes. Elas te consomem, te corroem, fragilizam e machucam de tal forma que você deixa de ser você. Como eu caí nessa? Logo eu, toda empoderada e f@dona... Pois é. Agora senta que lá vem história.
O abuso emocional costuma acontecer de forma gradual e silenciosa. Até hoje me pergunto quando ouvi o primeiro "Você é louca", "Você está exagerando", "Não foi isso que aconteceu". Com o tempo, normalizei essas falas. Quando deixei que tudo isso fizesse parte das discussões e virasse rotina, fui me corroendo de tal forma que minha sanidade começou a ser questionada até por mim mesma. Não, eu não era louca. Eu estava sendo vítima de abuso. E esse abuso tem nome: Gaslighting.
A psicóloga Bárbara Zorrilla, especializada no atendimento a mulheres vítimas de violência de gênero, explica: “O abuso gaslighting é uma forma de violência muito perversa, porque é contínua e se consegue mediante o exercício de um assédio constante, mas sutil e indireto, repetitivo, que vai gerando dúvidas e confusão na mulher que o sofre, a ponto de chegar a se sentir culpada pelas condutas de violência do abusador e duvidar de tudo que acontece à sua volta.”
Como sempre fui muito independente e meio porra louca, situações de tentativas diretas de controle, obstrução ou isolamento não funcionaram comigo. Acho até que por saber identificar esses sinais de abuso com mais clareza. Mas algumas situações passam despercebidas. Elas vêm de forma tão romantizada pela sociedade que fica difícil entender. No meu caso, sofri perseguição contumaz, e isso persistiu por muito tempo. O meu abusador era do tipo que sempre aparecia onde eu estava: na casa de parentes, na porta do trabalho, entre os meus amigos... Sempre havia alguém ligando ou mandando mensagem a pedido dele, tentando interceder. Recebia vídeos “lindos” dele falando que eu era o amor da vida dele — isso depois de ter sido traída pela enésima vez. Flores, presentes e mensagens faziam parte do pacote da tragédia. Eu me sentia cercada, até cerceada. Mas isso não acontecia de forma agressiva aos olhos dos outros. Pelo contrário: “Ele só quer te reconquistar”, “Ele faz isso porque te ama”, “Se ele não te amasse, não correria atrás”. Essas frases eram comuns de se ouvir, e hoje consigo dizer: doeu. Ninguém respeitava o meu “não”. Nem minha família, nem a dele, nem os amigos. E, logicamente, nem ele.
Aos olhos da maioria, quem ama perdoa. Será? Porque quando eu cedia e voltávamos, a desaprovação vinha dos mesmos que intervieram antes: “Você perdoou de novo?” “Até quando vai suportar isso?”. Passei por todos os estágios das ameaças emocionais: “Você nunca vai encontrar ninguém melhor do que eu”, “Você sabe que não vai ser feliz com outro”, “Tem homem que bate nas esposas, eu nunca te bati...”.
Me lembro de várias situações abusivas. Não me orgulho delas. Mas o que tiro como aprendizado é que não caio mais. Serviu de lição pra mim, e espero que pra você, que está lendo, também. E se você acha que não se identificou com nada disso, calma. A lista de abusos psicológicos é extensa, infelizmente. Vamos a alguns exemplos:
Ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento (como proibir de estudar, viajar ou manter contato com amigos e parentes), vigilância constante, perseguição contumaz, insultos, chantagem, exploração, limitação do direito de ir e vir, ridicularização, tirar a liberdade de crença.
Algumas expressões importantes que precisamos conhecer:
Gaslighting: quando um homem distorce e omite fatos para deixar a mulher em dúvida sobre sua memória e sanidade.
Bropriating: quando um homem se apropria de uma ideia que já havia sido expressa por uma mulher e leva os créditos.
Mansplaining: quando um homem “explica” algo óbvio para uma mulher, como se ela não fosse capaz de compreender.
Manterrupting: quando o homem interrompe constantemente a mulher de forma desnecessária, sem deixá-la concluir.
Segundo a Wikipedia, o abuso psicológico tem como objetivo ameaçar, intimidar, desumanizar ou sistematicamente debilitar a autoestima da outra pessoa. A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica define a violência psicológica como a “intenção de lesar gravemente a integridade psicológica de uma pessoa por meio de coação ou ameaças”. As formas mais comuns de abuso psicológico incluem desvalorização, ameaças, isolamento, humilhação em público, críticas constantes, obstrução e manipulação. A perseguição sistemática também é uma forma de intimidação, sendo muito comum entre casais ou ex-casais.
As vítimas, em geral, sentem que o parceiro as controla completamente, o que afeta gravemente a dinâmica de poder na relação. Em muitos casos, isso leva ao desenvolvimento de quadros depressivos, distúrbios alimentares, dependência química, alcoolismo e até suicídio.
Todas nós conhecemos mulheres que vivem relações assim.Talvez seja você. Talvez sua irmã. Sua amiga. Sua vizinha. Sua mãe.Falar sobre isso salva vidas.Denunciar é um ato de coragem.Apoiar é um ato de amor.
E se você acha que o assunto termina aqui… não.
Semana que vem falaremos sobre a violência financeira.

PELECARNE
Quando sentiu sua mão
acariciando a nuca suada
seu corpo ainda dolorido pediu mais
suas entranhas clamavam
sabia que estava dominada
precisava dele
do cheiro animal que exalava
a pele molhada,
a pressão de suas mãos em seu corpo trêmulo
a respiração arfava seu hálito quente
a boca entreaberta roçando-lhe a orelha
balbuciando palavras obscenas
a língua lambendo seu pescoço
os seios comprimidos em suas mãos
seu corpo másculo
impondo um ritmo selvagem
em uma cavalgada desenfreada
Celena