Por que eu tenho aversão a coachs — especialmente os de relacionamento?
- Nina
- 30 de jun.
- 2 min de leitura

Muita gente não entende a minha aversão a coachs — e aqui, vou dar um destaque especial aos de relacionamentos.
A palavra “coach” entrou no nosso vocabulário vinda do universo esportivo. Era o treinador, o guia, o estrategista. Mas bastou uma brecha, e o que era função virou rótulo. De repente, o Brasil foi tomado por uma enxurrada — e aqui, vale dizer: uma enxurrada de sujeira, não de soluções.
Hoje, encontramos coachs de tudo: vida, dinheiro, produtividade, espiritualidade, sexualidade, maternidade, masculinidade, autoestima e, claro, relacionamentos.
O problema não é só a multiplicação. É a autodeclaração. É gente sem formação, sem embasamento, sem escuta clínica, se nomeando especialista em curar feridas emocionais profundas com frases de efeito, palavras de ordem, jargões de mindness, promessas milagrosas e retórica ensaiada.
E como desgraça pouca é bobagem, vimos surgir — em paralelo a essa onda de obscurantismo — um exército de pessoas que, com um microfone em punho e um dom para a retórica, dizem ensinar, mas apenas validam a loucura coletiva de quem quer se manter no mesmo lugar.
No caso dos coachs de relacionamento, o que mais me causa incômodo é o modelo raso, binário e violento de afetividade que vendem. São discursos engessados que ensinam mulheres a “se fazerem de difíceis” e homens a “assumirem o controle”.
Dois movimentos precisam ser urgentemente nomeados aqui:• A machosfera, que frequentemente promove misoginia, discurso de ódio e violência simbólica (ou explícita), disfarçada de “reconquista da virilidade”;• E o tradwife, que embora esteticamente delicado, romantiza a submissão feminina e apaga conquistas históricas do feminismo.
Ambos alimentam uma lógica polarizada e exaustivamente binária de gênero — o homem ativo/dominante vs. a mulher passiva/submissa.
Tais discursos seguem se ramificando pelas redes e se popularizando cada vez mais entre os jovens. O mais alarmante? Já chegaram às escolas. Recentemente, esses assuntos começaram a aparecer com frequência nas conversas e comportamentos dos alunos da escola em que trabalho.
Não se trata de exagero. Se trata de reconhecer que estamos vivendo uma nova forma de regressão — com filtro vintage, luz de ring light e promessas de amor que, no fundo, são armadilhas de controle.
Outros termos vêm fazendo a cabeça da garotada: Red Pill (deturpado do universo Matrix), NoFap, Blue Pill, TradCons, Alfa Coach, Karen…E no fim das contas, não é sobre vínculo. É sobre estratégia.Não é sobre escuta. É sobre manipulação.
A banalização do termo “coach” já é um fato.Mas o que realmente me tira o sono é algo mais profundo: a banalização do sofrimento humano.Dores reais, traumas complexos e vivências afetivas densas estão sendo transformadas em mercadoria, em conteúdo vendável, viralizável e, muitas vezes, nocivo.
Disfarçado sob o discurso do “te ajudo”, o que vejo é um comércio escancarado da dor — embalado em promessas rápidas, frases prontas e uma estética higienizada que mascara a ausência de responsabilidade ética.O sofrimento virou nicho.A carência virou produto.A solidão, algoritmo.
E não me venham com “ai, mas teve um coach que me ajudou” — exceções existem.Mas a regra geral é essa cultura do “eu sei o que é melhor pra você”, embalada em vídeos cortados e trilhas inspiradoras.
Relacionamentos são complexos. Humanos são múltiplos.E a vida não cabe num carrossel de Instagram.
Nina
carol.alessandra.9

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